ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL ENTRELINHAS – DO CES/JF – Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – Ano 1 – Nº 1 – Maio de 2006
Para esclarecer algumas relações entre a literatura e a consciência do povo, o primeiro número do “Entrelinhas” traz o vereador da Câmara Municipal de Juiz de Fora e Mestre em Literatura pela Universidade Federal Fluminense Flávio Procópio Cheker , que acredita que “o exercício da política no sentido amplo é gratificante, mas a política parlamentar é muito empobrecedora e, do ponto de vista intelectual, extremamente árida.”
Jornal Entrelinhas: A política foi causa ou conseqüência da escolha do senhor pelas Letras?
Flávio Cheker: Nunca havia pensado nessa relação mais direta entre uma e outra… Na verdade, a minha paixão pelas Letras vem de muito tempo e, talvez, tenha surgido no momento em que minha consciência política começava a aflorar de modo mais intenso. Talvez tenha surgido simultaneamente este gosto pelo estudo da literatura e da língua e esse gosto pela atividade política, pela busca da intervenção mais concreta nos rumos da vida social.
Entrelinhas: O senhor já chegou a usar personagens da literatura como exemplo em seus discursos e na vida política? Quais?
Flávio Cheker: Na vida real acontecem algumas semelhanças com a ficção tão surpreendentes que somos tentados, até inconscientemente, a citar fatos ou episódios da ficção e também da poesia. Há algum tempo, eu usei, aqui na Câmara, um verso de Camões que acabou causando um impacto muito grande. Eu dizia que um mau prefeito, por exemplo, pode fazer com que uma Câmara seja ruim. Naquela ocasião eu citei Camões quando dizia: “Um fraco rei faz fraca a forte gente” e isso acabou tendo uma repercussão, porque caiu com força no que eu queria dizer.
Entrelinhas: Para o senhor, o que literatura tem a ver com política?
Flávio Cheker: Quando falamos de política, falamos na grande política, não exatamente na política partidária ou na política situação e oposição. Nesse sentido, nessa grande visão de política, toda literatura é política, porque nunca somos os mesmos depois da leitura de um livro e, remontando à velha dialética grega, nunca se lê o mesmo livro duas vezes. A mudança que a literatura traz, essa provocação que faz com que a gente se desestabilize, é sempre muito política. E, por outro lado, a atividade política, no que ela tem de potencialidade revolucionária, de provocativa para que as pessoas reflitam sobre a necessidade e a possibilidade de mudar instituições e comportamentos, também se relaciona com a literatura. As duas são potencialmente alavancadoras da mudança.
Entrelinhas: Como o senhor, mestre em Literatura e criador da Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Juiz de Fora, acredita que a literatura influencia e pode ser usada para mudar e melhorar a sociedade?
Flávio Cheker: Eu tenho a convicção de que, quanto mais as pessoas tiverem acesso à grande literatura, mais rico será o seu universo de cidadãos ou de cidadãs. Quanto mais as pessoas enriquecerem o seu universo interior, e o principal meio desse enriquecimento, com certeza, são os livros, mais elas têm capacidade de enxergarem este potencial de mudança que reside nelas mesmas, na medida em que elas começam a interagir com outras pessoas e com a própria sociedade. Eu creio muito nisso: nesse potencial de formação da cidadania que a literatura tem.
Entrelinhas: Ao escrever A arte de dizer as coisas sem parecer dizê-las, o senhor trata de uma parte da obra de Machado Assis pouco conhecida: as crônicas. Por que a escolha do ponto de vista de Machado, como grande observador da sociedade, ainda mais através de textos considerados tão efêmeros quanto uma notícia de jornal?
Flávio Cheker: Talvez o grande valor das crônicas do Machado e, de modo geral de todo cronista, é fazer com que este texto, que normalmente é passageiro, se torne permanente e mantenha a sua atualidade. Foi o que eu descobri nessa leitura das crônicas de Machado. Uma coisa curiosa é que as crônicas do Machado falam muito diretamente da vida parlamentar do Rio de Janeiro, do comportamento dos parlamentares, enfim, dessa política no sentido mais partidário. É interessantíssimo, porque há algumas crônicas do Machado que parecem escritas hoje, sobre a Câmara dos Vereadores ou sobre o Congresso Nacional. A política, nesse sentido partidário, nesse sentido parlamentar, institucionaliza, muitas vezes, a mediocridade como se fosse a genialidade. E o Machado vai exatamente nessa contramão, vai desbastando esse mato alto e mostrando que não é genial, é medíocre. O meu orientador (Dr. Paulo Roberto Pereira) teve um papel muito grande nisso, porque, sabendo da minha atividade sugeriu, já que, a princípio, eu pensava em trabalhar com a ficção de Machado e as crônicas eram um terreno que eu conhecia pouco. Foi uma descoberta.
Entrelinhas: O senhor pretende continuar seus estudos acadêmicos com doutorado?
Flávio Cheker: Sim. O exercício da política no sentido amplo é gratificante, mas a política parlamentar, esse cotidiano é muito empobrecedor e, do ponto de vista intelectual, extremamente árido.
(Jaciluz Dias Fonsceca)