Na tarde de 14 de junho, o telefone de Lindalva Gonçalves, em Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, tocou. Do outro da linha, uma voz dizia que seu irmão, João Gonçalves de Carvalho, 63 anos, desaparecido há mais de 36 anos, estava vivo e morando em Juiz de Fora. A partir daí, os fatos que se sucederam foram repletos de emoção e expectativa. Na manhã desta quinta-feira, 24, o que há muito tempo parecia impossível, tornou-se realidade: João reencontrou sua família. O palco desse momento foi a Casa da Cidadania, serviço da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), que atende a população em situação de rua da cidade, local onde João viveu nos últimos quatro anos.
Na inocência de quem não viu (ou sentiu) o tempo passar, João logo disse: “Não são eles”. Era o reflexo de quem, há muito, após um acidente, perdeu gradativamente a memória e desenvolveu problemas psicológicos. Mas, sim, eram eles. Pedro, Paulo e Felisbela Gonçalves chegaram à Casa da Cidadania bem cedo, após percorrerem quase 400 quilômetros, e logo identificaram o irmão desaparecido.
Após conversar com os irmãos, João recordou, progressivamente, fatos há muito tempo esquecidos. Depois disso, quando perguntado sobre o que sentiu ao reencontrar a família, João limitou-se a dizer “tô feliz”, com o olhar de quem busca palavras para expressar o inexpressável.
A história desse reencontro começou há quase quatro anos, quando João foi visto na região central de Juiz de Fora pelo então serviço de abordagem social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) População de Rua – atual Centro Pop. Renata de Almeida, assistente social que acompanhou a trajetória do cidadão de rua, recorda o momento: “Ele era um migrante e dizia ser de São Paulo. Em função da saúde debilitada, decidimos encaminhá-lo para a Casa da Cidadania e embarcá-lo para sua cidade na semana seguinte. Só que, em função de não termos nenhuma identificação sobre ele, decidimos mantê-lo conosco, ajudá-lo a se recuperar e tentar localizar a família”.
O trabalho foi árduo. Sem qualquer documento pessoal e com a lucidez esvaindo-se lentamente, João era, naquele momento, invisível aos olhos da sociedade. Mas, como conta a coordenadora da Casa da Cidadania, Flávia Fonseca, o tratamento psiquiátrico e o carinho no acolhimento foram fundamentais para sua reabilitação: “Ele teve uma grande evolução. Quando o João chegou aqui, estava muito debilitado e confuso. Conseguimos um acompanhamento psiquiátrico e, aos poucos, ele foi recordando algumas coisas e nos fornecendo dados. Como ele não tinha documento nenhum, não tínhamos como localizar ninguém. Então, em uma conversa com a assistente social, ele disse o nome de uma irmã, e foi a partir daí que conseguimos fazer o contato”.
Antes disso, muito já havia sido feito para tentar localizar os parentes de João. Contatos com instituições e entidades de São Paulo, assim como vãs tentativas de determinar suas impressões digitais foram feitos. Nada, no entanto, dava pistas de como encontrar sua família.
Após a conversa com Renata, na qual João informou o nome de uma de suas irmãs e disse já ter trabalhado formalmente, a luz no fim do túnel apareceu. Através do contato com o Ministério da Previdência Social, os dados pessoais de João foram confirmados e, em seguida, o contato com a família foi feito, após utilizar os recursos da internet para encontrá-la.
Infindáveis emoções
“Quando recebi a notícia de que João estava vivo, senti o corpo tremer e arrepiar. Ele saía de casa regularmente, mas sempre retornava. Nesse dia, em 1978, ele saiu e não voltou mais. Procuramos na delegacia, em hospitais, instituições psiquiátricas e até no Instituto Médico Legal. Mas acabamos percebendo que essa procura poderia ser em vão, porque todos os documentos dele tinham ficado em casa. Acabamos desistindo da procura e esperamos por um milagre, que aconteceu justamente agora”, descreveu Pedro Gonçalves, irmão de João.
Os caminhos que João percorreu entre 1978 e 2010 ninguém sabe. Foram mais de 30 anos vividos, provavelmente, à deriva. As tentativas dos familiares de encontrar o irmão desaparecido incluíram visitas a municípios próximos a São Paulo, cidade onde João e a família moravam na época. No entanto, nenhum registro foi encontrado até o telefonema no dia 14 de junho de 2014. Atualmente, quase todos os irmãos residem em Franco da Rocha, a 45 quilômetros da capital do estado.
Emocionada, ao lado do irmão, Felisbela Gonçalves agradeceu o apoio dado pelos profissionais da Casa da Cidadania e definiu o reencontro como “um milagre”: “Eu não estava em casa quando recebemos a ligação. Quando cheguei, me contaram que o João estava vivo, morando em Juiz de Fora, e eu fiquei sem reação. Retornamos a ligação, confirmamos os dados e decidimos vir aqui, para revê-lo. É um milagre”.
“Agradeço por tudo que foi feito por ele. Só Deus pode recompensar essas pessoas por tudo que elas fizeram”, disse Paulo Gonçalves, o irmão mais velho, referindo-se ao trabalho realizado na Casa da Cidadania.
O tempo dirá
A história de João continua. Afinal, ele reencontrou sua família. Além dos três irmãos que vieram a Juiz de Fora, outros cinco aguardam, ansiosamente, sua volta. No entanto, o processo de reinserção familiar poderá ser demorado. Em função da necessidade de um acompanhamento médico regular e do fato de João estar plenamente adaptado ao local em que vive, a família foi aconselhada a proceder com cautela. “Ele (João) tem um vínculo aqui, e não podemos quebrar isso de repente. Essa tem que ser uma transição lenta, porque se houver uma mudança drástica, pode desestabilizá-lo”, ponderou Flávia Fonseca.
O irmão Pedro pretende seguir a recomendação: “Esse foi o reencontro, um primeiro passo para que possamos levá-lo para perto da família, que é onde ele deve estar. Mas, no momento, o João vai ficar aqui para regularizar sua documentação e, enquanto isso, vamos procurar uma instituição, próxima à nossa cidade, que possa fazer um trabalho de acompanhamento com ele”.
Após regularizar sua situação, com a emissão de novos documentos pessoais, João Gonçalves de Carvalho deverá, ainda, ter direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). A ajuda consiste no repasse de um salário mínimo mensal ao idoso, concedido pelo Governo federal.
Só o tempo dirá quais serão os próximos capítulos da história de João:um migrante nascido em Espinosa (MG) e renascido, 36 anos depois, bem longe dali, em Juiz de Fora.
* Informações com a Assessoria de Comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Social, pelo telefone 3690-8314.
SDS