“Acredito plenamente que é possível reciclar um cidadão, tenha vindo ele de qualquer lugar, seja ele quem for”. Esse foi mais um dos aprendizados que a vida conferiu ao estofador, pintor, usuário do Núcleo do Cidadão de Rua e membro do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS/JF), José Antônio de Arruda, nesses 50 anos de vida, 36 deles vividos em situação de rua.
Arruda – como é conhecido – quer dar uma nova chance à vida, uma chance de corrigir erros, de (re)aprender, de recomeçar. Com seus estudos interrompidos aos 14 anos, devido à necessidade de trabalhar, ele pretende fazer um curso de idiomas e aperfeiçoar a informática. Atualmente, ele participa das aulas do curso de confeccionador de bolsas em tecidos, oferecido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial(Senai),através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “Participar de um curso do Pronatec e me capacitar é resgatar um pouco do meu conhecimento, além de adquirir um novo saber e me fazer sentir incluído na sociedade”, comemorou Arruda.
A opção pelo curso de bolsas em tecidos deve-se à possibilidade de reciclar o material que sobra das fábricas de estofados. De forma sustentável, seriam utilizadas matérias-primas isentas de custo, o que poderia gerar renda e emprego no futuro. “Já tenho experiência com corte e costura e agora vou me capacitar na área de corte e modelagem. A minha expectativa para o curso é que eu tire bastante proveito dele, porque acho que é um curso que, futuramente, vai me dar condição de dar seguimento a uma vida profissional autônoma e ter uma fonte de renda”, explicou Arruda.
As dificuldades que a vida impõe não são suficientes para frear o ímpeto de querer recomeçar. O resgate da cidadania de pessoas nesta situação é uma realidade que, hoje, é possível, através dos serviços oferecidos pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS). “Você vai me perguntar ´como reciclar esse cidadão?´. Eu lhe respondo: hoje, nós temos vários projetos de inclusão social. O que falta é comunicação, é levar até o público-alvo as informações, como, por exemplo, quais são seus direitos, quais são seus deveres e suas oportunidades. Tem muito talento, muitos profissionais, muita gente digna se perdendo. Mas acho que falta, também, despertá-los e fazê-los tomar consciência do mal que as drogas fazem, para que eles conquistem sua liberdade”, pregou ele.
Hoje são oferecidos pela Prefeitura diversos programas de inclusão social, que podem resgatar a memória e a autoestima de quem está nesta situação. Arruda utiliza, por exemplo, todos os serviços que acha indispensáveis à sua rotina: “Acordo, faço minha higiene pessoal e tomo café no Núcleo do Cidadão de Rua. Saio por volta de 5h30 de lá e já estou na rua fazendo minha caminhada. Depois, faço estudo bíblico, almoço no Restaurante Popular, frequento os equipamentos como a Casa da Cidadania,o Centro Pop e instituições da sociedade civil organizada. Também participo de cursos, palestras, vou às aulas de informática, oferecidas pelo Legislativo e, à noite, volto ao núcleo. É um dia intenso, mas muito produtivo”.
O secretário de Desenvolvimento Social, Flávio Cheker, elogiou a iniciativa de Arruda, e destacou a importância deste exemplo para a população da cidade: “Trata-se de um momento histórico para toda a população de Juiz de Fora, em especial para as pessoas em situação de rua. O fato de termos um semelhante nosso, morador de rua, fazendo um curso de capacitação profissional, é simbólico. Isso coroa o intenso trabalho que toda a equipe da SDS e das secretarias parceiras têm feito para propiciar a cidadania através do trabalho”.
A vida na rua e a procura pela identidade
José Arruda é o caçula de cinco filhos. Natural de Tocantins, Minas Gerais, e foi trazido para Juiz de Fora com um ano de idade. Ele relatou que perdeu a mãe aos sete anos. Aos 14, quando retornou de uma viagem à casa dos avós, seu pai, que utilizava álcool e tabaco, abandonou a casa por causa do vício, pois não queria mais ter responsabilidades com a família. “Meu pai bebia muito, já não tinha equilíbrio, não queria ter mais responsabilidade de olhar casa, família e pagar as contas. Ele estava entregue à bebida. Então, a manutenção da família ficava por conta das minhas irmãs, em uma época de muito preconceito em relação à mulher que trabalhava. Então, tudo se refletia em casa. Nós estávamos desestruturados economicamente e afetivamente”, contou.
Com sete para oito anos, Arruda fazia uso do tabaco – segundo ele, algo muito comum na época e na região de onde tinha vindo. Com 14 anos já estava passando por um processo de situação de rua, pois já não tinha residência fixa, dormia em abrigos e casas de conhecidos, e conseguia um trabalho ou outro para fazer de forma provisória. Aos 16 anos começou a fazer trabalhos temporários como estofador. Fazia cadeiras e sofás, mas não tinha os direitos reconhecidos por lei. “Faz um ano que consegui meu primeiro emprego de carteira assinada, mas foi temporário também. Sempre foi muito difícil para mim conseguir uma profissão, pois sofro com o preconceito. Hoje em dia sei que faço algo defasado no município, que é ser estofador, mas conservo a experiência, apesar de não trabalhar na área”.
A situação de rua se agravou quando tinha 21 anos, porque estava muito difícil se manter economicamente. “Eu nunca cheguei a ficar por muito tempo vivendo na rua, debaixo de marquises ou viadutos. Eu sempre procurava por um lugar onde pudesse fazer minha higiene pessoal, comer e dormir. Mas passei por muita dificuldade, por dois internamentos psiquiátricos, fiquei muito deprimido, me senti muito abandonado, sozinho no mundo e sem condições de ser algo diferente daquilo que me sentia, um nada. Sentia um preconceito, uma discriminação muito grande. Eu sofri mais com a quebra do vínculo familiar do que com qualquer outra coisa”, ressaltou Arruda.
Apesar de tudo, ele considera ter extraído uma riqueza muito grande estando nesta situação, mas deseja, assim como os demais, sair dela assim que possível: “Hoje lido com muitas pessoas, tenho amigos que estão em situação de rua, que querem reverter esse quadro e que já saíram de lá. Essa vivência me fez ter mais autoconhecimento e autoestima. Sei que, em breve, serei capacitado o suficiente para prover meu sustento, ter uma casa e deixar de ser invisível para a maioria da sociedade”.
Assim como Arruda, diversos cidadãos em situação de rua terão, em breve, a oportunidade de fazer um curso de qualificação profissional. Isso porque a SDS está firmando parcerias com diversas instituições para disponibilizar vagas para esse segmento da população, até o final do ano.
Atenção ao cidadão em situação de rua
A PJF, através da SDS, possui três unidades socioassistenciais que atendem aos cidadãos com vivência de rua e migrantes em Juiz de Fora: o Centro Pop, o Núcleo do Cidadão de Rua e a Casa da Cidadania.
O Centro Pop oferece refeições, acompanhamento psicossocial e oficinas artísticas, entre outras atividades voltadas para a reinserção do cidadão na sociedade, e buscando sempre referenciar os atendidos às suas respectivas famílias. A unidade conta ainda com uma biblioteca e uma sala de artes, para a promoção de oficinas de artesanato. O Centro tem capacidade para atender, em média, 120 pessoas por dia. A unidade funciona na Rua Oswaldo Veloso, 190, Centro.
O Núcleo do Cidadão de Rua atende à população adulta em situação de vulnerabilidade social e pessoal e que vive nas ruas de Juiz de Fora. Os moradores de rua, abordados ou por demanda espontânea, que chegam ao núcleo, além da possibilidade de pernoitarem, recebem alimentação e cuidados com higiene. Todo trabalho é supervisionado por uma equipe técnica multidisciplinar. O núcleo fica na Rua José Calil Ahouagi, 592, no Centro.
A Casa da Cidadania realiza o acolhimento institucional de cidadãos que se encontram em vivência de rua, em situação de alto risco e vulnerabilidade social. São oferecidos 55 leitos masculinos e 15 femininos. O serviço fica na Alameda Silva Mello Reis, 6.001, no Bairro Jardim Esperança.
O cidadão pode ter acesso a estes serviços por demanda espontânea, quando às unidades, ou através do serviço de abordagem, que pode ser solicitado por qualquer pessoa, pelo telefone 3690-7770.
* Informações com a Assessoria de Comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Social, pelo telefone 3690-8314.
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